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Por
Barbacumba
2023

Produção
Cemitérios Sagrados

Tem alguém na porta

Seu Caetano era um típico Senhorzinho de idade avançada, capaz de ficar plantado durante horas numa cadeira de balanço, ouvindo rádio de pilha e fumando um punhado de pacaias.

Atrás de uma solidão desvantajosa, vivia em uma casa baixa, quase sem móveis, dividida entre cômodos sufocados em um único bico de luz.  

Havia dias que andava adoentado, sentindo dores agudas. Da última vez que fora ao médico, foram receitadas pomadas e antibióticos, mas que já não surtiam tanto efeito.

A febre adiantava o sofrimento, mas parecia adiar a morte, seus olhos aparentavam isso, aparentava também o corpo mole, incapaz de se cuidar sozinho.  Naquela fragilidade, alimentar-se mal era a pior coisa a fazer, também porque não haveria ninguém de se preocupar com um velho cheio de aperreios a dar.  

Seu Caetano se recolhia à cama cedo. Antes de tomar seus medicamentos, beijava a imagem de Nossa Senhora. Não pedia nenhum milagre, pelo contrário, um pouco de conforto de misericórdia.

Deitado numa Cama patente antiga, com os pés para fora do lençol, corpulento, gozava o resto da noite em busca da lua pelos rombos no teto.

Acostumou-se às sombras da velhice, a catar pequenas vontades inúteis.  No final das contas, vez ou outra lhe vinham lembranças indescritas, em foma de vozes, vozes que fizeram parte de sua vida, mas surgiam confusas, feito delírios.

Sendo Seu Caetano, um homem sem importância, não haveria de se esperar alguém batendo em sua porta àquela hora da noite. Quem ousou a preocupação de procurá-lo sem aviso prévio? Foi uma surpresa para ele também.

Como seu corpo não obedecia em tempo seguro, os movimentos curtos demoravam o suficiente para que quem estivesse batendo à porta desistisse. Mas não foi o que aconteceu.  As batidas eram fortes, bem dizer agressivas, incansáveis. Em um momento, parecia uma abrupta tentativa de invasão, excedia cada vez mais à excitação da besta lá fora.

Quando Seu Caetano constatou que não havia absolutamente ninguém, supôs um breve pesadelo, fechou a porta, esforçando-se a acalmar seu peito que batia feito o coração de um rato. Mas como se não bastasse, as batidas se voltavam à porta dos fundos.   Seu Caetano se curvou atormentado, pois não se revelava o mistério em cores.

percebeu também não haver ninguém no quintal. Os sinais eram poderosos como o vento, estavam em todos os lugares, quando as portas se fechavam. Isso se tornou mais desesperador quando as batidas sincronizavam exatamente a cada segundo. As travessuras domaram o dom da morte e desse mal dava pra ouvir murmúrios marcando a vítima. Elas estavam ali para cumprir o rito a qualquer custo. Insistentemente ecoavam nos cantos do casebre.

Na porta da frente...

Na porta de trás...

Na porta da frente...

Na porta de trás...

Seu Caetano sozinho sussurrava mudo um pedido de socorro, entregava os pontos sem ousar a qualquer resistência possível. Abalado e incapaz de reagir, urinou e defecou nas calças de medo.

Já caído no chão, sem vida, boquiaberta e os olhos virados pra dentro, sua camisa desabotoada expunha o corpo marcado pela idade. Seu Caetano irrevogavelmente não estava mais entre nós.

Na cozinha, a porta escancarada, um sopro de luz clareava o rosto de uma criança bochechuda. Agachada com roupas de séculos antigos e um buraco no lugar dos olhos, olhando o corpo endurecido. Ninguém viu ou ouviu absolutamente nada naquela noite.

Obrigado por ter chegado até aqui!

E aquele real perdido no fundo do Pix?

amilton@cemiteriossagrados.online