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CAVALO DESGRAÇA - I
Por volta de mil e novecentos, uma pequena cidade surgia à vista de poucas ruas, loteada à companhia de um rio com dorso largo. De um lado a mata beirava as casas e o Capibaribe, do outro, o descampado abria uma longa estrada.
Havia quatro ruazinhas enviezadas, pouco mais que dez famílias cercadas por grandes terrenos. As casas, construídas à base de massapê, pareciam perdidas na viagem.
Acharam de viver por ali em algum passado distante, acomodaram-se e, com a chegada das famílias de retirantes, cresceram timidamente a humilde vila.
O movimento comercial rudimentar era feito por homens e mulheres que vendiam especiarias de porta em porta, costuravam botas, pescavam, criavam bichos.
Vez ou outra, o prefeito escolhia os homens mais fortes para serviços pesados. O dinheiro era bom, por isso um cargo bem concorrido, a seleção ao prazer dos interesses da prefeitura causava confusão, muita gente não se metia, se havia outra coisa pra fazer, faziam.
O movimento comercial rudimentar era feito por homens e mulheres que vendiam especiarias de porta em porta, costuravam botas, pescavam, criavam bichos.
Dava pra contar não mais que cinquenta pessoas naquela região, cruzava-se todo o vilarejo em menos de dez minutos de caminhada, era uma fileira de casas cortadas por acessos de barro, a mata, uma praça e a igreja apontando seu mastro. Quando chegava alguém diferente por ali, todos sabiam, levavam a novidade, as mulheres arrumavam pretextos pra fazer visitas, o cochichado se espalhava rápido.
O homem mandado pelo prefeito, pra atender os anseios dos moradores, aparecia de tempos em tempos, querendo conversar. As fofoqueiras de Azeredo ofereciam água, doce e uns paparicos pro rapaz. Dessa vez ele não tinha vindo pra tomar a ingenuidade de ninguém, queria saber de uns eventos misteriosos, se alguém tinha visto algo estranho nos últimos dias.
Ele fez perguntas que eram repetidas pelos dois doutores que o seguiam, esses homens pareciam de outro lugar, tinha um deles que falava poucas palavras em espanhol.
Segundo o assistente do prefeito, era costume asteróides atingirem a terra e muito provável que o objeto tivesse caído bem na sementeira de Azeredo, na boca da mata. Naquela hora, os moradores ficaram sem entender: "Algo caiu do céu justamente aqui, nos cafundós dos Judas? Não é possivel", muitos pensaram.
Os visitantes logo mandaram chamar os outros moradores, não sabiam eles que já tinha espalhado a notícia e os curiosos foram aparecendo. Um deles logo apontou o dedo, dizendo ter ouvido um barulho, mas achou que fosse na cabeceira do rio..
O ajudante do prefeito não sabia se acreditava naquelas coisas, e também não desacreditou, mandou chamar o ajudante do Barão pra ouvir as coisas ditas pelo povo, de uma suposta aparição. Ele era caçador e vinha seguindo um bicho já no fim de tarde, disse ele que a luz atravessou o céu e resplandeceu na água do rio, a luz foi capaz de clarear o telhado da igreja até a última casa. Parecia uma bomba pegando fogo. "Nossa Senhora!", "Sangue de cristo!", exclamavam as mulheres assustadas.
Seu Salgueiro afirmou com a maior certeza do mundo que era uma luz de fogo e clareou sua cozinha por uns breves segundos. Tereza não tinha certeza do que viu, mas também ouviu o barulho e a clareira sumir muito rápido.
Aos poucos as pessoas chegavam pra falar do misterioso fato. Histórias iam se cruzando e crescendo, de acordo com o que disse me disse, às vezes além da conta. Formaram-se burburinhos na vizinhança, os meninos já estavam começando a cravar insolitas lendas. Diziam eles que tinham visto com tanta clareza essa visagem, pois Pretinho até mostrava uma ferida no joelho provocada pelo susto.
No alto dos murmúrios, os ajudantes do Padre entraram na onda, aos poucos seguia a história de boca em boca, uma assustadora invasão alimentando a imaginação de adultos e crianças. A confusão já ia longe por ali, um monte de gente reunida, tentando entender a doidice trazida por três homens da cidade. Qualquer passante avistava a aglomeração e se metia na história. Logo, a Azeredo inteirinha estaria no mesmo lugar, procurando catar as conversas fiadas dos bêbados da praça.
Passando por ali, com um saco de broa nas mãos, montado no cavalo, garganta queria saber do ocorrido. Parou curioso no meio da confusão. Assim que o viram, de prontidão, apontaram o dedo: "olha ai, caiu bem perto da casa de Garganta, ele deve de ter avistado muita coisa."
O pobre homem não entendeu, no entanto pois-se a tirar sua dúvida, "não entendi, Tereza, tás falando comigo?!". O ajudante do patrão, vendo Garganta perdido no montoado de gente, tratou de explicá-lo a situação detalhe por detalhe. Na verdade havia um interesse muito mais urgente.
A intenção deles era saber sobre o dono do terreno onde o tal objeto caiu. Garganta ouviu atento, segurando o queixo. Em alguns momentos, balançou a cabeça umas três vezes, conferindo sua atenção. Até aí estava tudo bem, pois ele era um homem honesto, não gostava muito de mentira e ,por isso, não queria falar tanto sem saber.
Agora, não negou que algo realmente teria caído nas suas terras, também não foi afirmativo, só tentou resumir o tal fato como ele foi. A única coisa dita por ele foi aquela dita por todos: "Realmente um troço passou e atingiu meu terreno, eu ainda não tive tempo de olhar, nem liguei tanto pra isso, só vi a luz e deixei de lado, já vi muita coisa cruzar o céu."
O ajudante do prefeito se afastou da multidão, levando os outros homens com ele até a porta da igreja. Cochicharam umas palavras estranhas e, em seguida, voltaram dizendo que no dia seguinte resolveriam com mais calma, acompanhados pela secretaria. Iriam vasculhar a área, não adiantava criar alarde, pois era tudo uma situação controlada, sem necessidade de espanto
Tudo deveria seguir normalmente, porque no dia seguinte reuniriam todos os moradores para explicar exatamente o que tinha acontecido. Tereza já pegou os meninos pelos braços e trancou as portas, Seu Salgueiro fez sinal para mulher entrar. Em poucos minutos a rua estava mais uma vez vazia. Um por um, os moradores se entocaram como preás acuados.
Garganta subiu em seu cavalo, acochou as broas na cela e vagarosamente subiu a rua, não parecia nada preocupado com o aviso dado pelo céu. Indiferente a tudo, gavalgou até a última casa do povoado, ali onde morava.